Adriano pensava ter muita personalidade, mas reconhece que “era apenas um jovem e presunçoso advogado que não sabia nada do que havia se passado na história do mundo”, até descobrir novos horizontes através da amizade com os livros certos.
Estes fatos se passaram no outono de 2010, quase um ano antes do nascimento do nosso filho primogênito, um pequeno milagre de Deus nascido prematuro extremo com 19 centímetros de comprimento, menor que uma régua escolar, pesando 728 gramas, aos cinco meses de gestação.
Quem vive no hemisfério norte talvez não saiba que o outono no Rio de Janeiro é uma das melhores estações do ano, quando desfrutamos de uma temperatura média de 25o C, ótima ocasião para flanar pela cidade e por suas inúmeras livrarias e alfarrábios, como habitualmente fazia pela hora do almoço.
“O louco é aquele que perdeu tudo, menos a razão”
Em uma dessas tardes de outono, saí do escritório de advocacia onde trabalhava para receber minha pequena dose diária de distração cultural. Entrei na livraria da Travessa, na rua Sete de Setembro, e deparei-me com uma obra que destacava-se na vitrine sobre uma pilha bem organizada de vários exemplares: a edição comemorativa do centenário do livro “Ortodoxia”, de G. K. Chesterton. Nunca havia lido nada daquele autor, mas imediatamente emergiu do fundo da minha memória uma de suas frases com que tive contato ainda na adolescência: “o louco é aquele que perdeu tudo, menos a razão”. Sempre considerei intrigante a frase, e sua aparente ironia desafiava-me a decifrar seu sentido mais profundo. Comprei o livro, levei-o para casa, e o acrescentei à minha lista de leituras. Havia recém finalizado a leitura do diálogo Fédon, de Platão, e estava em vias de concluir Deus e a Religião, de Etienne Gilson. Também assistia regularmente a um curso de História da Filosofia.
Não caberia aqui comentar cada uma dessas obras que influenciaram de maneira tão profunda e decisiva o meu processo de conversão, mas basta registrar que elas tiveram enorme impacto sobre o que até então eu pensava saber a respeito da relação que existe entre fé e razão. A formação do jovem universitário ocidental normalmente o faz padecer de diversos preconceitos advindos da filosofia moderna, relegando as questões espirituais propriamente ditas, na melhor das hipóteses, a seu aspecto moral, ou o que é ainda pior, atirando-as na vala comum da superstição, da crença, ou da pseudo-religião. Confesso que também padeci de alguns desses mesmos males que assolam as almas dos jovens universitários do mundo inteiro, sem que eles próprios ou suas famílias sequer suspeitem de qual seria a origem de tais ideias que povoam suas mentes e muitas vezes sustentam e modelam imaginativamente sua vida moral por muitos anos.
Embora tivesse nascido em uma família de pais, tios e avós católicos, aquele ambiente familiar não teve força suficiente para impressionar a minha mente e direcionar o centro dos meus interesses para a religião. Talvez possamos nos fazer esta pergunta ainda hoje: o que falta para os jovens de nossas famílias se apaixonarem por Deus e pela sua Igreja? Imagino que esta seja uma preocupação de muitas famílias nos dias atuais. Como faço para meu filho e minha filha, jovens em formação, entenderem a importância de uma vida de verdadeira piedade? É claro que não existe uma única resposta para essa questão. Cada família poderá encontrar por si mesma mediante a atenção individualizada das necessidades de cada um de seus membros. Mas posso contar um pouco de como aconteceu comigo e talvez isso possa ajudá-los a percorrer o mesmo caminho.
“DEUS CONHECIA BEM MINHA CABEÇA DURA E SABIA QUE PRECISARIA DE MUNIÇÃO DE GROSSO CALIBRE PARA ABRI-LA”Dois caminhos para encontrar Deus
Santo Agostinho dizia que há duas vias para a conversão, uma mais racional (a via noética) e outra mais carismática e sensível (a via pneumática). Sempre gostei de pensar que Deus tinha usado comigo a via noética porque conhecia bem minha cabeça dura e que precisaria se valer de munição de grosso calibre para abri-la. Depois de descobrir alguns filósofos de grande prestígio, que estavam há algum tempo fora dos modismos universitários, e entender como eles expunham de forma lúcida, elegante, inteligente e extremamente racional diversas teses filosóficas sobre a imortalidade da alma, a existência de Deus, a transcendência do ser, comecei a perceber que havia um tesouro que a Igreja guardava há pelo menos dois séculos através da patrística, da escolástica, e da vida dos santos, que se tratava de algo de valor inestimável e que sempre estivera ali ao alcance de todos, mas que até aquele momento eu desconhecia completamente.
Afinal eu era apenas um jovem e presunçoso advogado que não sabia nada do que havia se passado na história do mundo, ou pelo menos nada além daquelas versões ideologicamente manipuladas que por clichês marxistas e ateus que permeia os programas escolares de história e das matérias de humanas em geral. O contato com toda aquela vida intelectual, que até então eu ignorava, foi para mim como abrir os olhos para o mundo real pela primeira vez, um renascimento, por assim dizer.
Algum tempo depois, encontrei diversas outras obras de intelectuais que golpeavam duramente o modernismo, o comunismo, a psicanálise materialista, e tantos outros movimentos culturais que ainda moldam a mentalidade do jovem universitário. Somente depois disso percebi que muitas ideias que eu antes atribuía à força da minha personalidade, nada mais eram do que frutos envenenados de inúmeras correntes culturais que haviam sido forjadas, bem antes do meu nascimento, no seio de certos movimentos filosóficos e políticos que agiam diretamente sobre a minha vida, provocando concretamente nela diversos efeitos. É raro que as pessoas desenvolvam uma imaginação sociológica a ponto de perceberem com clareza a relação existente entre a sua biografia pessoal e as correntes de pensamento que influenciam a história do mundo. Isso pode ser um forte empecilho para a conversão, pelo menos o foi para mim durante algum tempo.
Adriano com seus dois filhos.
Iniciei esta crônica citando o nascimento prematuro do meu filho porque, curiosamente, as pessoas costumam atribuir a esse fato o início do meu processo de conversão, o que sempre me causa um certo desconforto, como se toda conversão tivesse necessariamente que começar com uma espécie de trauma. E como se o nascimento dele tivesse sido algo parecido com isso, até porque para mim não foi traumático de maneira alguma. Na verdade, no meu caso, aconteceu o contrário: Deus me converteu um ano antes do nascimento do meu filho, para me preparar para o que estava por vir, a admirável aventura humana da paternidade. Talvez tenha se utilizado deste fato para insuflar em minha alma mais vida de piedade e para provar que a distinção de Santo Agostinho é válida na teoria, mas que, na prática, Ele se utiliza das duas vias para tocar por inteiro as almas: na inteligência e no coração.
Por fim, concluo dizendo que meu filho hoje tem cinco anos de idade e é uma criança perfeitamente saudável, sem sequelas de qualquer natureza, apesar de ter ficado três meses em observação na UTI (unidade de terapia intensiva) quando nasceu, apenas aguardando a maturidade pulmonar, e jamais precisou ser submetido a qualquer tipo de intervenção cirúrgica. Atribuo esta graça a São José, cuja imagem lhe fez companhia dentro da incubadora ao longo desses três meses de internação e a quem eu pedia intercessão e dirigia orações matinais e noturnas todos os dias, ao entrar e ao sair do hospital.
Não precisamos, portanto, de nenhum evento traumático em nossas vidas para alcançar a graça da conversão, pois muitas vezes ela vem através de uma simples mudança de perspectiva cultural, que quase sempre nos custa nada além de sair da zona de conforto em que estamos ambientados, para nos lançar em busca dos valores que moldaram a história da nossa civilização com sinceridade de propósitos e verdadeiro amor ao conhecimento e à verdade.
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