sexta-feira, 14 de outubro de 2016

O catolicismo continuará crescendo, menos europeu e mais global, afirmam especialistas



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É tudo uma questão de repensar a presença, encontrar novas formas, trabalhar com talento. Bento XVI reiterou isso ao seu biógrafo Peter Seewald, quando ele respondeu rapidamente sobre a descristianização da Europa nas Ultime conversazioni [Últimas conversas] (Ed. Garzanti), o seu testamento espiritual. É uma evidência, mas talvez, mais do que passar em revista a lista das igrejas vazias, fechadas e abandonadas, talvez convertidas em mercados de frutas ou salões de festa com excelente parquet – todas coisas que já sabemos de memória –, seria útil entender que o problema é a fé, sedada e distraída.
Em suma, reiniciar a partir daí, da questão central e fundamental do ser cristão. Isto é, testemunhar de formas diferentes, o que não significa que devam ser transgressivas. Até porque a história segundo a qual o catolicismo (ou até mesmo segundo o cristianismo) está em agonia, destinada a uma morte certa, é, na realidade, uma boa piada para as manchetes dos jornais e para as discussões de alguns círculos luteranos do século XVI.
Philip Jenkins, um dos maiores especialistas de história e ciências das religiões, escreveu isso recentemente no jornal Catholic Herald. Nada de fim, nada de extinção. Sim, é claro, as multidões entre os bancos de madeira das igrejas (onde eles ainda existem, sem terem sido substituídos por tristes cadeiras) são raras, as procissões continuaram flutuantes, mas tudo isso está relacionado com a Europa.

Aí está o problema, na tese de Jenkins: pensar o catolicismo como algo meramente europeu, ligado à teoria das suas imensas e antigas catedrais, aos ritos de um tempo que foi, à catequese administrada em doses maciças para crianças de cinco, seis, sete anos todas as santas manhãs depois da missa e mesmo antes de ir para a escola. Essas crianças, na maioria das vezes, são aqueles que hoje – desligados dos deveres impostos – são os primeiros que não colocam mais os pés na Igreja e não levam os filhos.
Há alguns anos, em 2011, a American Physical Society publicou um volumoso e detalhado dossiê que se concluía com a sentença inapelável: o mundo se livraria das religiões (de todas, incluindo o Islã, hoje imerso na luta fratricida entre sunitas e xiitas pela supremacia sobre a umma) até 2100, e, no topo da lista dos países prontos a abandonar aquilo em que tinham acreditado durante séculos, despontavam a Áustria e a Irlanda. Ou seja, duas das realidades que mais contribuíram com a causa católica, embora hoje também lá se sofra, e não só pelos escândalos sexuais e financeiros – no que respeita à Áustria, é suficiente reler o discurso desesperado que o cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena, fez há três anos ao clero de Milão, contando uma situação que obriga a diocese a vender as Igrejas ao melhor comprador (na melhor das hipóteses, aos ortodoxos), vazias e financeiramente insustentáveis.
“O que eu posso fazer?”, perguntava-se o cardeal, descrevendo uma situação, na sua opinião, irremediavelmente comprometida. O estudo aplicava complicados modelos matemáticos que levavam todos à mesma conclusão: “Em grande parte das modernas democracias seculares, há uma tendência segundo a qual o povo não se identifica com nenhuma religião. Na Holanda, estamos em 40%, enquanto o nível mais alto foi registrado na República Checa, com 60% daqueles que se declaram não filiados a qualquer religião”.
Daí a profetizar – como Cassandras – o fim da religião dentro de poucas décadas, porém, há uma grande distância, até porque a fé individual ainda é uma das poucas coisas que escapa das classificações em banco de dados ou em tabelas do Excel.
Em suma, o fato de não haver mais católicos em Praga pode desagradar aqueles que se emocionam ao ouvir o som dos sinos medievais, mas não pode, de modo algum, marcar o destino de uma religião.
Jenkins não parte de preconceitos. Ele mesmo escreveu um livro (La storia perduta del cristianesimo [A história perdida do cristianismo], Ed. Emi) para dizer que “as religiões morrem” e que, “ao longo da história, algumas religiões desaparecem totalmente, outras se reduzem de grandes religiões mundiais a um punhado de seguidores”.
Em suma, não seria uma novidade. Mas, desta vez, o prognóstico auspicioso não tem razão de ser. Porque a Igreja Católica, que “já é a maior instituição religiosa do planeta”, está desfrutando de um crescimento global sem precedentes. Os números: em 1950, a população católica era de 347 milhões de indivíduos. Vinte anos depois, eram 640 milhões. Em 2050, de acordo com estimativas conservadoras, serão 1,6 bilhão.
E então? Aqui também, trata-se de ampliar os horizontes e olhar para fora do contexto meramente ocidental. “Eu falei de crescimento global, e o elemento ‘global’ requer ênfase”, escreve Jenkins. “A Igreja tem a pretensão de ter inventado a globalização, o que explica por que os seus números estão em plena expansão. Ao longo da história, houve tantos chamados ‘impérios mundiais’ que, na realidade, estavam confinados principalmente à Eurásia. Apenas no século XVI, os impérios espanhol e português realmente abraçaram o mundo. Para mim – escreve o estudioso, professor emérito da Penn State University – a verdadeira globalização começou em 1578, quando a Igreja Católica estabeleceu a sua diocese em Manila, nas Filipinas – como sede sufragânea da Cidade do México, do outro lado do imenso Oceano Pacífico”.
O fato é que “hoje estamos habituados a pensar o cristianismo como uma fé tradicionalmente ambientada na Europa e na América do Norte, e só gradualmente aprendemos o estranho conceito de que essa religião se propaga em escala global, porque o número dos cristãos está aumentando rapidamente na África, na Ásia e na América Latina”, escreve Jenkins.
“O cristianismo – continua – está tão enraizado no patrimônio cultural do Ocidente que faz com que se pareça quase revolucionária tal globalização, com todas as influências que ela pode exercer sobre a teologia, a arte e a liturgia. Uma fé associada principalmente com a Europa deve, de algum modo, se adaptar a esse mundo mais vasto, redimensionando muitas das suas premissas, ligadas à cultura europeia”.
O discurso, ampliado ao cristianismo, vale com ainda mais razão para o catolicismo. Diante de tudo isso, é natural se perguntar se “esse novo cristianismo global ou mundial permanecerá plenamente autêntico, como se as normas europeias representassem uma espécie de gold standard”.
Interrogações legítimas, mas sem sentido, “quando nos damos conta de como é artificial a acentuação do carácter euroamericano no contexto mais amplo da história cristã”. Até porque hoje os grandes reservatórios do catolicismo estão em outro lugar: Brasil, México, Filipinas. Neste último caso, os católicos estão destinados a crescer até chegar aos 100 milhões até 2050. Aqui, no ano passado, houve mais batismos do que na França, Espanha, Itália e Polônia juntas.
A objeção é fácil: as tendências demográficas explicam as razões para o crescimento maciço. Onde nascem mais crianças, crescem mais católicos, se o substrato (embora encoberto por acúmulos secularizantes e laicistas) estiver presente. Onde isso não acontece, o catolicismo seca.
Não precisamente, observa Jenkins: basta ir à África para entender que as coisas não são assim. Em 1900, no imenso continente africano, viviam talvez 10 milhões de cristãos (incluindo os católicos, estimados em alguns milhões), que constituíam 10% de toda a população. Hoje, lá, há meio bilhão de cristãos (200 milhões de católicos) e eles irão duplicar no próximo quarto de século. E a África certamente não é o berço do catolicismo, exceto pela distante raiz norte-africana, depois cortada brutalmente por invasões, ocupações e islamização mais ou menos forçada.
No entanto, a África sozinha, se a tendência for constante, acrescenta o estudioso, em 2040, terá mais católicos do que havia em todo o mundo apenas em 1950. Dez anos antes, mais ou menos em 2030, os católicos na África superarão os residentes na Europa: será, diz Jenkins, “um marco na história”. Pouco depois, a África vai disputar com a América Latina o título de Igreja mais católica do mundo.
No tempo de uma geração, na lista dos dez países mais católicos do planeta, figurarão a Nigéria, a Uganda, a Tanzânia, o Congo. Isto é, realidades onde o catolicismo começou a se enraizar de forma decisiva há apenas um século. É claro que nem tudo pode ser explicado pelos histogramas relativos à demografia ou reduzindo a questão ao ditado não muito original segundo o qual os africanos fazem mais filhos e, portanto, assim se explicaria porque lá há mais cristãos.
Naturalmente, as dúvidas são legítimas, especialmente em relação ao número das conversões e aos batismos em massa. São os riscos de uma Igreja jovem e ainda entusiasta. Bento XVI, em 2009, reconheceu isso, quando constatou como a África era “um imenso pulmão espiritual para uma humanidade que parece estar em crise de fé e de esperança”, alertando, porém, que um pulmão sempre pode ficar doente.
Um discurso semelhante, embora com números menos bombásticos, vale para a Ásia, terreno tão disputado por Francisco, e não só pela sua vocação jesuítica ao responder às sereias do Oriente.
Para voltar à questão de Jenkins, sobre os riscos de uma contaminação do cristianismo euroamericano, considerado por várias razões como o autêntico, a resposta está não só nas massas de fiéis africanos e asiáticos que lotam as igrejas italianas para a missa dominical, mas também no modo, na forma com que presenciamos o rito. Muitas vezes, muito mais respeitosa com o sagrado do que vemos em algumas catedrais, que têm até a rosácea brilhante, e os baldaquinos do Renascimento, e os altares majestosos, e a música que ressoa não a partir de CDs comprados em qualquer loja no mercado, mas sim por órgão s de beleza inquestionável.
Bastava ver como o papa foi acolhido em Bangui, na paupérrima República Centro-Africana, enquanto entrava na catedral depois de ter aberto a Porta Santa: o povo quase em adoração, ajoelhado, recolhido. Nada de empurrões e palavrões para conquistar uma foto tirada com o iPhone, talvez uma selfie com o vigário de Cristo.
Talvez fosse a isso que Joseph Ratzinger se referia a partir da sua ermida do mosteiro Mater Ecclesiae ao comentar a descristianização galopante no Ocidente dos velhos esquemas e das velhas tradições, até mesmo obsoletas.
Jenkins dá como exemplo Aarhus, cidade da Dinamarca conhecida nestas latitudes apenas porque, há poucas décadas, participava muitas vezes da Copa Uefa ou da Copa Intertoto (para aqueles que se lembram dela).
Pois bem, lá, em um país que tem bem pouco de católico, tanto na prática religiosa, quanto nos costumes, aquelas poucas igrejas católicas que existem, veem entrar semanalmente grupos numerosos de fiéis provenientes de terras distantes. Todos rezando, representando o caráter global (ou universal, portanto, católico) da fé.
A pergunta que poderia ser feita, no máximo, é se existe a vontade e a capacidade de buscar e experimentar novas formas de testemunho e de presença, deixando de lado os discursos sobre qual é a raiz verdadeira e autêntica do cristianismo, se a sua imagem mais correta é a da Europa que não se reconhece mais ou a da África galopante e jovem.
Uma evangelização nova, portanto. O Papa Francisco reiterou isso em uma recente mensagem enviada aos participantes do 14º Simpósio Intercristão, que foi realizado em agosto em Salônica. O tema era justamente a re-evangelização das comunidades cristãs na Europa, e Bergoglio escreveu que o continente já está lidando com “a realidade generalizada daqueles batizados que vivem como se Deus não existisse, pessoas que não estão conscientes do dom da fé recebida , não experimentam a sua consolação e não são plenamente partícipes da vida da comunidade cristã”.
É por isso que a Igreja está diante de um “desafio”: trata-se de renovar os laços com as raízes cristãs já cada vez menos percebidas. O objetivo, acrescentava o pontífice, é de “identificar caminhos novos, métodos criativos e uma linguagem apta a fazer com que o anúncio de Jesus Cristo, em toda a sua beleza, chegue ao homem europeu contemporâneo”.
Matteo Matzuzzi, publicada no jornal Il Foglio
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