Como dito na última aula, a acídia constitui uma tristeza em relação aos bens
espirituais [1]. Diante do grande santo em que Deus quer transformar todo ser
humano, o acidioso inquieta-se, agita-se, tem o seu coração dividido (μεριμνᾷ,
em grego), sem conseguir concentrar-se em sua identidade e vocação à perfeição.
Por isso, um das formas básicas de
remediar esse estado doentio é a quietude (stabilitas), que
consiste em ter firme o coração no seu devido lugar. Isso estende-se para todas
as atividades diárias, mormente a oração e o trabalho. É preciso ter propósitos bem determinados na
vida de oração – sem ficar mudando de práticas devocionais a todo momento –,
bem como constância e perseverança nos serviços a ser realizados no dia a dia.
A Ordem de São Bento condensa isso no seu famoso lema "Ora et labora – Reza e trabalha".
A cura pelo trabalho. – Há, de fato, uma grande ênfase dos Padres do Deserto na questão do
trabalho. Evágrio Pôntico, por exemplo, condena várias vezes os que ele chama
de "monges giróvagos". "O monge vagabundo é um arbusto árido da
solidão, descansa pouco e é agitado de lá para cá contra a sua vontade",
ele diz. "A planta transladada não oferece fruto e o monge itinerante não
dá fruto de virtude" [2]. Na mesma linha, João Cassiano, em suas Instituições Cenobíticas, dedica todo um capítulo à
acídia, ressaltando aí a importância do trabalho humilde e perseverante como
remédio à doença [3].
Mesmo para quem não é monge, porém,
fica de pé o conselho de levar a sério o trabalho ordinário como meio
de santificação. O acidioso deve amar e servir a Deus nos trabalhos
humildes do dia a dia, evitando distrair-se à procura de tarefas
extraordinárias – que, no mais das vezes, não passam de desculpas para fugir
das próprias obrigações. Nesses casos, o vício da preguiça disfarça-se sob a
máscara de um falso e perigoso "ativismo".
Sobre essa matéria, a obra de dois
santos em especial merece ser mencionada.
O primeiro deles é São Francisco de
Sales, que escreve, em sua Introdução à Vida Devota,
as seguintes linhas:
"Na conservação e
aquisição dos bens terrestres, imita as crianças que, segurando-se com uma mão
na mão de seu pai, com a outra se divertem em colher frutos e flores; quero
dizer que te deves conservar continuamente debaixo da dependência e proteção de
teu Pai celeste, considerando que ele te segura pela mão, com diz a Sagrada
Escritura, para te conduzir felizmente ao termo de tua vida e volvendo de
tempos em tempos os olhos para ele, a ver se tuas ocupações lhe são agradáveis;
toma principalmente cuidado que a cobiça de ajuntar maiores bens não te faça
largar a sua mão e negligenciar a sua proteção, porque, se ele te abandonar,
não poderás mais dar um passo sequer que não caias com o nariz no chão.
Assim, Filotéia, nas ocupações ordinárias que exigem muita atenção, pensa mais em Deus que em teus negócios e, se forem de tal importância que ocupem toda a tua atenção, nunca deixes de levantar de vez em quando os olhos para Deus, como os navegantes que, para dirigirem o navio, mais olham para o céu que para o mar. Fazendo assim, Deus trabalhará contigo, em ti e por ti e teu trabalho te trará toda a consolação que dele esperas." [4]
Assim, Filotéia, nas ocupações ordinárias que exigem muita atenção, pensa mais em Deus que em teus negócios e, se forem de tal importância que ocupem toda a tua atenção, nunca deixes de levantar de vez em quando os olhos para Deus, como os navegantes que, para dirigirem o navio, mais olham para o céu que para o mar. Fazendo assim, Deus trabalhará contigo, em ti e por ti e teu trabalho te trará toda a consolação que dele esperas." [4]
Outro grande mestre nesse assunto é São
Josemaría Escrivá – o fundador do Opus Dei –,
cujas obras, repletas de conselhos práticos e de profundo conteúdo espiritual, podem
ser facilmente consultadas na Internet.
A cura pelo descanso. – Com relação à vida interior, é preciso lembrar uma consideração que
faz o Doutor Angélico sobre a gravidade do pecado da acídia. Trata-se, diz ele,
de um pecado mortal, já que "se opõe ao preceito de santificação do sábado
que prescreve, enquanto preceito moral, o repouso da alma em Deus" [5]. É
a esse repouso espiritual que se refere Santo Agostinho, quando preleciona, em
suasConfissões, que "inquieto está o nosso coração,
até que repouse em Deus" [6].
Mas que tem que ver o pecado da acídia
com o terceiro preceito do Decálogo?
No Antigo Testamento, para ensinar o
inculto povo de Israel a rezar, Deus se serviu de um mandamento que ordenava os
homens a repousarem no dia do sábado:
"Lembra-te de santificar
o dia do sábado. Trabalharás durante seis dias e farás todos os trabalhos, mas
o sétimo dia é sábado, descanso dedicado ao Senhor teu Deus. Não farás trabalho
algum, nem tu, nem teu filho, nem teu escravo, nem tua escrava, nem teu gado,
nem o estrangeiro que vive em tuas cidades." (Ex 20, 8-10)
O sentido do descanso sabático,
todavia, não se esgotava nessas linhas. Apontava para uma realidade muito
maior, constituindo um sinal do verdadeiro descanso que todos os homens são
chamados a encontrar em Deus, através da oração. Por isso, embora o dia de
preceito dos cristãos não seja mais o sábado, mas o domingo, permanece válida a
realidade moral a que faz referência esse mandamento do Decálogo.
"Santificar o dia de sábado", pois, nada mais é que santificar todos
os dias de nossa vida, dedicando a Deus um tempo exclusivo para a oração.
Mas qual é o gênero de oração que pode
ajudar concretamente os acidiosos a deixarem o seu pecado?
A resposta está na faculdade da vontade, pela qual os seres humanos elevam a sua alma a
Deus de modo propriamente humano. Muitas vezes, ao rezarem, as pessoas se movem
no campo do que é meramente físico e animal – como é o caso dos sentimentos e da imaginação. Estão
mais à procura de arrepios e consolações que de uma verdadeira relação de
amizade com Deus. Não que seja errado servir-se dessas potências para rezar. As
parábolas contadas por Jesus são um sugestivo recurso pedagógico envolvendo a
imaginação, e Santa Teresa de Ávila, a mestra da oração, sempre recomendou às
suas irmãs que usassem essa faculdade da alma. O problema está em estacionar
nessas paragens e não ir adiante. Na vida de oração, mais do que simples afetos
sensíveis, o essencial está em unir a própria vontade à vontade de Deus.
Só assim é possível entender o amor dos
santos à Cruz. Contrariando-se a si mesmos, eles enxergavam em todas as
circunstâncias adversas desta vida uma ocasião para amar o seu Senhor. Santa
Teresinha do Menino Jesus, por exemplo, narra em sua autobiografia como começou
a manifestar sinais de amor para com uma irmã que não lhe era muito agradável
[7]. Ela não sentia, mas queria, atraída pelo charme que carrega consigo todo
sofrimento [8]. E todas essas pequenas coisas, vividas com um amor
extraordinário, fizeram dela uma grande santa.
Para vencer a acídia, o caminho é o
mesmo. Diante da tentação do desânimo e da letargia espiritual, é preciso
reagir com a grandeza e o heroísmo dos santos, perseverando insistentemente,
"com determinada determinação" [9], até atingir a meta definitiva,
que é a eterna bem-aventurança no Céu.
Referências
1. Suma
Teológica, II-II, q. 35, a. 1.
2. Tratactus
de Octo Spiritibus Malitiae (atribuído a São Nilo),
XIII (PG 79, 1158-1159).
3. Cf. De Coenobiorum Institutis, X (PL
49, 359-398).
4. FRANCISCO DE SALES, São. Filotéia ou Introdução à Vida
Devota (trad. de Frei João José P. de Castro), III, 10. 8a.
ed. Petrópolis: Vozes, 1958, p. 181.
5. Suma
Teológica, II-II, q. 35, a. 3, ad 1.
6. Confissões, I, 1 (PL 32, 661).
7. Cf. Manuscrito C, 13v-14r.
8. Cf. Poesias, XLV, 5. In: TERESA DO
MENINO JESUS, Santa. Obras completas: escritos e
últimos colóquios. São Paulo: Paulus, 2002, p. 616.
9. Cf. Santa Teresa de Ávila, Caminho de Perfeição,
XXI, 2.
via Padrepauloricardo.org
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