quinta-feira, 26 de maio de 2016

Terapia da acídia

Preguiça nem sempre significa ficar sem fazer nada. Não adianta, por exemplo, se entupir de coisas para fazer, se você está sempre adiando a sua vida de oração e os seus deveres de estado para a última hora. Como sair desse vício? Qual a solução para vencer o tédio e a moleza nos serviços do dia a dia? É possível conciliar o trabalho duro com a vida de comunhão e intimidade com Deus? Descubra os remédios da espiritualidade católica para a preguiça e aprenda a firmar o seu coração no "único necessário", nesta nova aula do curso de Terapia das Doenças Espirituais.


Como dito na última aula, a acídia constitui uma tristeza em relação aos bens espirituais [1]. Diante do grande santo em que Deus quer transformar todo ser humano, o acidioso inquieta-se, agita-se, tem o seu coração dividido (μεριμνᾷ, em grego), sem conseguir concentrar-se em sua identidade e vocação à perfeição.
Por isso, um das formas básicas de remediar esse estado doentio é a quietude (stabilitas), que consiste em ter firme o coração no seu devido lugar. Isso estende-se para todas as atividades diárias, mormente a oração e o trabalho. É preciso ter propósitos bem determinados na vida de oração – sem ficar mudando de práticas devocionais a todo momento –, bem como constância e perseverança nos serviços a ser realizados no dia a dia. A Ordem de São Bento condensa isso no seu famoso lema "Ora et labora – Reza e trabalha".
A cura pelo trabalho. – Há, de fato, uma grande ênfase dos Padres do Deserto na questão do trabalho. Evágrio Pôntico, por exemplo, condena várias vezes os que ele chama de "monges giróvagos". "O monge vagabundo é um arbusto árido da solidão, descansa pouco e é agitado de lá para cá contra a sua vontade", ele diz. "A planta transladada não oferece fruto e o monge itinerante não dá fruto de virtude" [2]. Na mesma linha, João Cassiano, em suas Instituições Cenobíticas, dedica todo um capítulo à acídia, ressaltando aí a importância do trabalho humilde e perseverante como remédio à doença [3].
Mesmo para quem não é monge, porém, fica de pé o conselho de levar a sério o trabalho ordinário como meio de santificação. O acidioso deve amar e servir a Deus nos trabalhos humildes do dia a dia, evitando distrair-se à procura de tarefas extraordinárias – que, no mais das vezes, não passam de desculpas para fugir das próprias obrigações. Nesses casos, o vício da preguiça disfarça-se sob a máscara de um falso e perigoso "ativismo".
Sobre essa matéria, a obra de dois santos em especial merece ser mencionada.
O primeiro deles é São Francisco de Sales, que escreve, em sua Introdução à Vida Devota, as seguintes linhas:
"Na conservação e aquisição dos bens terrestres, imita as crianças que, segurando-se com uma mão na mão de seu pai, com a outra se divertem em colher frutos e flores; quero dizer que te deves conservar continuamente debaixo da dependência e proteção de teu Pai celeste, considerando que ele te segura pela mão, com diz a Sagrada Escritura, para te conduzir felizmente ao termo de tua vida e volvendo de tempos em tempos os olhos para ele, a ver se tuas ocupações lhe são agradáveis; toma principalmente cuidado que a cobiça de ajuntar maiores bens não te faça largar a sua mão e negligenciar a sua proteção, porque, se ele te abandonar, não poderás mais dar um passo sequer que não caias com o nariz no chão.

Assim, Filotéia, nas ocupações ordinárias que exigem muita atenção, pensa mais em Deus que em teus negócios e, se forem de tal importância que ocupem toda a tua atenção, nunca deixes de levantar de vez em quando os olhos para Deus, como os navegantes que, para dirigirem o navio, mais olham para o céu que para o mar. Fazendo assim, Deus trabalhará contigo, em ti e por ti e teu trabalho te trará toda a consolação que dele esperas." [4]
Outro grande mestre nesse assunto é São Josemaría Escrivá – o fundador do Opus Dei –, cujas obras, repletas de conselhos práticos e de profundo conteúdo espiritual, podem ser facilmente consultadas na Internet.
A cura pelo descanso. – Com relação à vida interior, é preciso lembrar uma consideração que faz o Doutor Angélico sobre a gravidade do pecado da acídia. Trata-se, diz ele, de um pecado mortal, já que "se opõe ao preceito de santificação do sábado que prescreve, enquanto preceito moral, o repouso da alma em Deus" [5]. É a esse repouso espiritual que se refere Santo Agostinho, quando preleciona, em suasConfissões, que "inquieto está o nosso coração, até que repouse em Deus" [6].
Mas que tem que ver o pecado da acídia com o terceiro preceito do Decálogo?
No Antigo Testamento, para ensinar o inculto povo de Israel a rezar, Deus se serviu de um mandamento que ordenava os homens a repousarem no dia do sábado:
"Lembra-te de santificar o dia do sábado. Trabalharás durante seis dias e farás todos os trabalhos, mas o sétimo dia é sábado, descanso dedicado ao Senhor teu Deus. Não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem teu escravo, nem tua escrava, nem teu gado, nem o estrangeiro que vive em tuas cidades." (Ex 20, 8-10)
O sentido do descanso sabático, todavia, não se esgotava nessas linhas. Apontava para uma realidade muito maior, constituindo um sinal do verdadeiro descanso que todos os homens são chamados a encontrar em Deus, através da oração. Por isso, embora o dia de preceito dos cristãos não seja mais o sábado, mas o domingo, permanece válida a realidade moral a que faz referência esse mandamento do Decálogo. "Santificar o dia de sábado", pois, nada mais é que santificar todos os dias de nossa vida, dedicando a Deus um tempo exclusivo para a oração.
Mas qual é o gênero de oração que pode ajudar concretamente os acidiosos a deixarem o seu pecado?
A resposta está na faculdade da vontade, pela qual os seres humanos elevam a sua alma a Deus de modo propriamente humano. Muitas vezes, ao rezarem, as pessoas se movem no campo do que é meramente físico e animal – como é o caso dos sentimentos e da imaginação. Estão mais à procura de arrepios e consolações que de uma verdadeira relação de amizade com Deus. Não que seja errado servir-se dessas potências para rezar. As parábolas contadas por Jesus são um sugestivo recurso pedagógico envolvendo a imaginação, e Santa Teresa de Ávila, a mestra da oração, sempre recomendou às suas irmãs que usassem essa faculdade da alma. O problema está em estacionar nessas paragens e não ir adiante. Na vida de oração, mais do que simples afetos sensíveis, o essencial está em unir a própria vontade à vontade de Deus.
Só assim é possível entender o amor dos santos à Cruz. Contrariando-se a si mesmos, eles enxergavam em todas as circunstâncias adversas desta vida uma ocasião para amar o seu Senhor. Santa Teresinha do Menino Jesus, por exemplo, narra em sua autobiografia como começou a manifestar sinais de amor para com uma irmã que não lhe era muito agradável [7]. Ela não sentia, mas queria, atraída pelo charme que carrega consigo todo sofrimento [8]. E todas essas pequenas coisas, vividas com um amor extraordinário, fizeram dela uma grande santa.
Para vencer a acídia, o caminho é o mesmo. Diante da tentação do desânimo e da letargia espiritual, é preciso reagir com a grandeza e o heroísmo dos santos, perseverando insistentemente, "com determinada determinação" [9], até atingir a meta definitiva, que é a eterna bem-aventurança no Céu.
Referências
1.       Suma Teológica, II-II, q. 35, a. 1.
2.       Tratactus de Octo Spiritibus Malitiae (atribuído a São Nilo), XIII (PG 79, 1158-1159).
3.       Cf. De Coenobiorum Institutis, X (PL 49, 359-398).
4.       FRANCISCO DE SALES, São. Filotéia ou Introdução à Vida Devota (trad. de Frei João José P. de Castro), III, 10. 8a. ed. Petrópolis: Vozes, 1958, p. 181.
5.       Suma Teológica, II-II, q. 35, a. 3, ad 1.
6.       Confissões, I, 1 (PL 32, 661).
7.       Cf. Manuscrito C, 13v-14r.
8.       Cf. Poesias, XLV, 5. In: TERESA DO MENINO JESUS, Santa. Obras completas: escritos e últimos colóquios. São Paulo: Paulus, 2002, p. 616.
9.       Cf. Santa Teresa de Ávila, Caminho de Perfeição, XXI, 2.
via Padrepauloricardo.org

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