Duas fraquezas
É importante que nos apercebamos de que existem no homem duas espécies de fraqueza, muito diferentes entre si: uma é a fraqueza natural – que poderíamos chamar sadia –, e que é própria das limitações de todo o ser humano (a fraqueza que também os santos experimentam); e outra é a fraqueza doentia, que resulta da apatia moral, da falta de ideais ou de luta por alcançá-los. Esta fraqueza doentia é a que deixa o homem desarmado perante os valores morais. As mesmas dificuldades que para o homem moralmente sadio são corriqueiras, que não passam de pequenas lutas diárias que se aceitam com naturalidade, para o doentio são intoleráveis, da mesma forma que o alimento sadio é insuportável para o estômago enfermo.
Estamos repetindo, ao longo das nossas meditações, que o valor das dificuldades depende da atitude que adotemos diante delas. A atitude certa, no caso, é a de aceitá-las sem protesto nem surpresa, como um incentivo e um belo desafio. “Cresce perante os obstáculos”, diz Caminho(n. 12). Esta pequena frase resume tudo o que agora procuramos comentar. É preciso não só contar com as dificuldades, mas aceitá-las de bom grado e até amá-las, uma vez que elas nos ajudam a construir, degrau a degrau, a escada que nos eleva até à maturidade moral.
Esta é a atitude do esportista, do pesquisador, do homem que se lança a uma nova iniciativa profissional. Ao começar a sua tarefa, está num ponto de partida e sabe que tem diante de si, aguardando-o, inúmeras dificuldades. Desde o início, tem consciência de que não está se propondo coisas fáceis e sem valor. Não está a fazer exercícios de repouso na rede. Está começando a lutar, tem um objetivo grande e empolgante – vencer um torneio, alcançar uma descoberta científica, arrancar de zero um empreendimento –, e com gosto arregaça as mangas. Se há dificuldades, e necessariamente tem que havê-las, elas serão um estímulo diário, um motivo de criatividade e de melhor desempenho. Tudo isto, que é tão evidente nos ideais puramente humanos, às vezes parece obscurecer-se quando se trata do maior ideal, da maior grandeza do homem: a sua autêntica realização que – como víamos – é a realização espiritual e moral, a perfeição do homem enquanto homem e filho de Deus.
Quem tem grandeza moral nem sequer espera pelas dificuldades, vai decididamente ao encontro delas. É a grandeza moral que o faz propor-se metas espiritualmente altas e árduas, recusando como verdadeira morte a instalação medíocre numa bondade morna.
Deste modo, o homem que se propôs a meta alta de viver a sério o amor, vai alentando no seu íntimo o desejo eficaz de se entregar cada dia mais a Deus e aos outros. Tudo o que faz lhe parece pouco. No fundo da alma, ecoa-lhe como uma música empolgante a palavra “mais”. Movido por esse anseio, procura motivos e ocasiões de sacrificar-se, de renunciar a pequenos egoísmos, de servir e alegrar a vida dos outros. E então, quando se lhe apresentam as dificuldades, elas o encontram já a caminho da doação: são como o bastão que, na corrida de revezamento, o atleta olímpico apanha com força, já em tensão de velocidade. O homem generoso não é surpreendido pelos obstáculos, pois não estaciona na bondade fácil, mas está em carreira acelerada rumo à bondade difícil.
A bondade difícil é a nossa meta
Seria muito interessante que cada um de nós se perguntasse qual é a sua bondade difícil. Com um pouco de sinceridade, não demoraríamos a descobri-la. Para uns, é a abnegação, para outros a compreensão, para outros a intensidade e perfeição no trabalho, para outros a serena paciência… Para cada um, aquelas virtudes que, nos maus momentos, nos sentimos inclinados a julgar como impossíveis de atingir: “Eu não fui feito para isto, isto comigo não dá, nunca vou conseguir”.
Pois bem, essas bondades difíceis devem ser exatamente as nossas metas, voluntariamente abraçadas, no esforço de aperfeiçoamento moral. É nesses “obstáculos” que devemos “crescer”.
Triste coisa seria que nos contentássemos com as virtudes que brotam espontaneamente do nosso temperamento e dos nossos hábitos. Ficaríamos fadados ao raquitismo espiritual e nos fecharíamos numa mediocridade cristalizada e sem remédio. O “homem de manutenção”, de que falávamos, não tem propriamente virtudes firmes, tem antes o que poderíamos chamar “os defeitos das virtudes”, isto é, as manifestações desfibradas de algumas qualidades excessivamente ligadas ao seu temperamento – tranquilo, bonachão, ordeiro –, ou às suas manias – “gosto” de fazer isto ou aquilo –, ou aos seus hábitos inerciais. As virtudes boas são mesmo as difíceis. A estas é que o homem digno deste nome deve aspirar.
Depois de se propor essa meta, virá uma segunda parte. Como atingi-la? O que equivale a perguntar-se como enfrentar o lado difícil da bondade e crescer nele. Quando se “quer”, sempre existe um “como”. Os que nunca concretizam os modos práticos de melhorar são os que aspiram aos seus ideais sem sinceridade. Por serem incapazes de dizer “quero”, dizem apenas “quereria”, mas nem eles nem ninguém sabe como é que vão querer.
Sempre há algum modo de fincar o dente numa aspiração difícil. Sempre há pelo menos um modo de começar. “Concretiza – lê-se no ponto 247 de Caminho –. Que os teus propósitos não sejam fogos de artifício, que brilham um instante para deixar, como realidade amarga, uma vareta de foguete, negra e inútil, que se joga fora com desprezo”.
É claro que, para isto, é preciso saber dar o primeiro passo rumo à meta que nos propomos, e não arredar pé depois, mesmo que custe e custe muito. Com espírito esportivo, devemos tentar uma vez e outra, tendo a coragem e a humildade de “começar e recomeçar”, e tendo ao mesmo tempo a fortaleza de ser pacientes conosco próprios, porque a ascensão da montanha da grandeza moral é sempre lenta. Como numa construção, “para edificar é preciso sofrer (…). As mãos dos pedreiros ferem-se na aspereza da argamassa e, por muito manejarem a colher, tornam-se calosas e as suas unhas descuidadas. A pedra é resistente e pesada. Só obedece à força de marteladas. É teimosa e cheia de arestas pontiagudas e cortantes… Não seria possível construir sem martelo e sem ruído, sem violência nem golpes, por meio de um simples desejo? Todos os que têm medo da realidade esbanjaram assim o seu tempo em fantasias. Meu Deus, fazei-me amar o trabalho rude”[1].
Adaptação de um trecho do livro de F. Faus, O valor das dificuldades
É importante que nos apercebamos de que existem no homem duas espécies de fraqueza, muito diferentes entre si: uma é a fraqueza natural – que poderíamos chamar sadia –, e que é própria das limitações de todo o ser humano (a fraqueza que também os santos experimentam); e outra é a fraqueza doentia, que resulta da apatia moral, da falta de ideais ou de luta por alcançá-los. Esta fraqueza doentia é a que deixa o homem desarmado perante os valores morais. As mesmas dificuldades que para o homem moralmente sadio são corriqueiras, que não passam de pequenas lutas diárias que se aceitam com naturalidade, para o doentio são intoleráveis, da mesma forma que o alimento sadio é insuportável para o estômago enfermo.
Estamos repetindo, ao longo das nossas meditações, que o valor das dificuldades depende da atitude que adotemos diante delas. A atitude certa, no caso, é a de aceitá-las sem protesto nem surpresa, como um incentivo e um belo desafio. “Cresce perante os obstáculos”, diz Caminho(n. 12). Esta pequena frase resume tudo o que agora procuramos comentar. É preciso não só contar com as dificuldades, mas aceitá-las de bom grado e até amá-las, uma vez que elas nos ajudam a construir, degrau a degrau, a escada que nos eleva até à maturidade moral.
Esta é a atitude do esportista, do pesquisador, do homem que se lança a uma nova iniciativa profissional. Ao começar a sua tarefa, está num ponto de partida e sabe que tem diante de si, aguardando-o, inúmeras dificuldades. Desde o início, tem consciência de que não está se propondo coisas fáceis e sem valor. Não está a fazer exercícios de repouso na rede. Está começando a lutar, tem um objetivo grande e empolgante – vencer um torneio, alcançar uma descoberta científica, arrancar de zero um empreendimento –, e com gosto arregaça as mangas. Se há dificuldades, e necessariamente tem que havê-las, elas serão um estímulo diário, um motivo de criatividade e de melhor desempenho. Tudo isto, que é tão evidente nos ideais puramente humanos, às vezes parece obscurecer-se quando se trata do maior ideal, da maior grandeza do homem: a sua autêntica realização que – como víamos – é a realização espiritual e moral, a perfeição do homem enquanto homem e filho de Deus.
Quem tem grandeza moral nem sequer espera pelas dificuldades, vai decididamente ao encontro delas. É a grandeza moral que o faz propor-se metas espiritualmente altas e árduas, recusando como verdadeira morte a instalação medíocre numa bondade morna.
Deste modo, o homem que se propôs a meta alta de viver a sério o amor, vai alentando no seu íntimo o desejo eficaz de se entregar cada dia mais a Deus e aos outros. Tudo o que faz lhe parece pouco. No fundo da alma, ecoa-lhe como uma música empolgante a palavra “mais”. Movido por esse anseio, procura motivos e ocasiões de sacrificar-se, de renunciar a pequenos egoísmos, de servir e alegrar a vida dos outros. E então, quando se lhe apresentam as dificuldades, elas o encontram já a caminho da doação: são como o bastão que, na corrida de revezamento, o atleta olímpico apanha com força, já em tensão de velocidade. O homem generoso não é surpreendido pelos obstáculos, pois não estaciona na bondade fácil, mas está em carreira acelerada rumo à bondade difícil.
A bondade difícil é a nossa meta
Seria muito interessante que cada um de nós se perguntasse qual é a sua bondade difícil. Com um pouco de sinceridade, não demoraríamos a descobri-la. Para uns, é a abnegação, para outros a compreensão, para outros a intensidade e perfeição no trabalho, para outros a serena paciência… Para cada um, aquelas virtudes que, nos maus momentos, nos sentimos inclinados a julgar como impossíveis de atingir: “Eu não fui feito para isto, isto comigo não dá, nunca vou conseguir”.
Pois bem, essas bondades difíceis devem ser exatamente as nossas metas, voluntariamente abraçadas, no esforço de aperfeiçoamento moral. É nesses “obstáculos” que devemos “crescer”.
Triste coisa seria que nos contentássemos com as virtudes que brotam espontaneamente do nosso temperamento e dos nossos hábitos. Ficaríamos fadados ao raquitismo espiritual e nos fecharíamos numa mediocridade cristalizada e sem remédio. O “homem de manutenção”, de que falávamos, não tem propriamente virtudes firmes, tem antes o que poderíamos chamar “os defeitos das virtudes”, isto é, as manifestações desfibradas de algumas qualidades excessivamente ligadas ao seu temperamento – tranquilo, bonachão, ordeiro –, ou às suas manias – “gosto” de fazer isto ou aquilo –, ou aos seus hábitos inerciais. As virtudes boas são mesmo as difíceis. A estas é que o homem digno deste nome deve aspirar.
Depois de se propor essa meta, virá uma segunda parte. Como atingi-la? O que equivale a perguntar-se como enfrentar o lado difícil da bondade e crescer nele. Quando se “quer”, sempre existe um “como”. Os que nunca concretizam os modos práticos de melhorar são os que aspiram aos seus ideais sem sinceridade. Por serem incapazes de dizer “quero”, dizem apenas “quereria”, mas nem eles nem ninguém sabe como é que vão querer.
Sempre há algum modo de fincar o dente numa aspiração difícil. Sempre há pelo menos um modo de começar. “Concretiza – lê-se no ponto 247 de Caminho –. Que os teus propósitos não sejam fogos de artifício, que brilham um instante para deixar, como realidade amarga, uma vareta de foguete, negra e inútil, que se joga fora com desprezo”.
É claro que, para isto, é preciso saber dar o primeiro passo rumo à meta que nos propomos, e não arredar pé depois, mesmo que custe e custe muito. Com espírito esportivo, devemos tentar uma vez e outra, tendo a coragem e a humildade de “começar e recomeçar”, e tendo ao mesmo tempo a fortaleza de ser pacientes conosco próprios, porque a ascensão da montanha da grandeza moral é sempre lenta. Como numa construção, “para edificar é preciso sofrer (…). As mãos dos pedreiros ferem-se na aspereza da argamassa e, por muito manejarem a colher, tornam-se calosas e as suas unhas descuidadas. A pedra é resistente e pesada. Só obedece à força de marteladas. É teimosa e cheia de arestas pontiagudas e cortantes… Não seria possível construir sem martelo e sem ruído, sem violência nem golpes, por meio de um simples desejo? Todos os que têm medo da realidade esbanjaram assim o seu tempo em fantasias. Meu Deus, fazei-me amar o trabalho rude”[1].
Adaptação de um trecho do livro de F. Faus, O valor das dificuldades
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