terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Conheça o pecado da vaidade ....

Depois de examinar a soberba, considerada por São Gregório Magno "rainha dos vícios", cabe-nos olhar bem de perto para um de seus efeitos diretos, que é o pecado da vanglória (ou vaidade).
Embora ambos os vícios tenham a ver com a excelência, explica Santo Tomás de Aquino, "a soberba não é o mesmo que a vanglória, mas a sua causa, porque busca a excelência de forma desordenada, ao passo que a vanglória almeja a manifestação da excelência (inanis gloria appetit excellentiae manifestationem)" [1].
Para entendermos o que seja essa "manifestação da excelência", o mesmo Doutor Angélico vem em nosso auxílio, no capítulo da Suma Teológica que ele dedica, inteiro, ao pecado da vanglória. Trata-se da questão 132, da segunda seção da segunda parte (secunda secundae) de sua obra.

No artigo 1.º, considerando se o desejo da glória é pecado (utrum appetitus gloriae sit peccatum), o Aquinate afirma que "a glória significa um certo brilho". Ele se serve de Santo Agostinho, para quem ser glorificado (glorificari) significa, de alguma forma, ser clarificado (clarificari). "O brilho tem uma certa beleza que se manifesta diante de todos", explica Tomás. "É a razão pela qual a palavra glória implica manifestação de alguma coisa que os homens acham bonita, quer se trate de um bem corporal ou espiritual."
Esse processo pode ser descrito simplesmente assim: primeiro, tem-se a excelência de um indivíduo; quando os outros a reconhecem, acontece a reverência (que, quando se manifesta externamente, é chamada honra); esta, por sua vez, resulta na glória, faz resplandecer a excelência daquela pessoa e, quanto mais ela é glorificada, mais brilha a sua luz diante dos homens (cf. Mt 5, 16), e mais se está obrigado, por justiça, a reverenciar esse indivíduo. Trata-se, pois, de um ciclo, que, por si mesmo (de se), "não designa nada de vicioso". "Não é pecado desejar que suas boas obras sejam aprovadas pelos outros", diz o Doutor Angélico.
O problema está no apetite da glória vã (κενοδοξία, em grego; inanis gloria, em latim), que pode acontecer por três razões:
  1. Por causa do objeto de que se procura tirar glória (ex parte rei de qua quis gloriam quaerit), "quando por exemplo se procura glória por algo que não existe, ou por uma coisa que não é digna dela, por ser frágil e caduca". É o caso de um impuro que se jacta de ter guardado a própria virgindade, quando, na verdade, ela não mais existe; ou o de um jovem que se gaba de ter bebido mais que todos os seus amigos numa festa, quando isso não é motivo de glória coisíssima nenhuma.
  2. Pela inépcia de quem se procura ganhar glória (ex parte eius a quo quis gloriam quaerit). Seria o caso de um jogador de futebol que tenta arrancar elogios de um completo ignorante da matéria, ou de um pianista que procurasse demonstrar seus talentos musicais a uma plateia de incultos.
  3. Por parte da própria pessoa que busca a glória (ex parte ipsius qui gloriam appetit), "quando, por exemplo, esta pessoa não orienta o seu desejo de glória para o fim devido, qual seja a honra de Deus ou a salvação do próximo". Essa situação é muito frequente na vida de quem já abandonou os erros mais grosseiros e começou a ter vida interior, mas ainda está a fazer as coisas certas pelas razões erradas. Para remediar esse estado, uma grande ajuda é observar a vida dos santos. Santa Teresinha do Menino Jesus, quando aumenta a sua fama e o número de seus devotos no mundo inteiro, o que quer é incendiar os corações humanos com o amor de Deus. A Mãe de Deus, quando canta o Magnificat e diz que todas as gerações a proclamarão bem-aventurada, não o faz por vaidade, mas porque quer ver exaltado Aquele cujo nome é santo e cuja misericórdia se estende sobre os homens (cf. Lc 1, 48ss). O próprio Deus, escreve Santo Tomás, "não procura sua glória para si próprio, mas para nós" (ad 1): Ele sabe que, quando lhe rendemos glória, isso redunda também em nosso benefício. "De modo semelhante – acrescenta o Aquinate –, o homem também pode desejar sua própria glória para o serviço dos outros".
Há, portanto, uma glória justa, buscada pelos santos, e uma glória vazia, que é capaz de "sugar", por assim dizer, todos os bens interiores de uma alma, "enquanto torna o homem presunçoso e confiante demais em si mesmo" [2].
Mas, de que gênero é o pecado da vaidade? No artigo 3.º da mesma questão, o Doutor Angélico explica que – diferentemente da soberba, que é pecado mortal – a vanglória, simplesmente considerada, é pecado venial, mas pode tornar-se mortal quando se opõe ao amor de Deus. E como a vaidade se opõe à caridade devida a Deus? De dois modos, ele diz:
  1. "Em razão da matéria da qual alguém se gloria (ratione materiae de qua quis gloriatur). (a) Por exemplo, se uma pessoa se glorifica de uma coisa falsa que se opõe ao respeito devido a Deus, como consta em Ez 28, 2: 'Teu coração se encheu de orgulho e tu disseste: Eu sou Deus', e 1 Cor 4, 7: 'Que tens tu que não tenhas recebido? E se o recebeste por que te gloriar como se não tivesses recebido?' (b) Ou ainda, quando alguém prefere a Deus um bem temporal do qual se gloria, o que proíbe Jr 9, 23-24: 'Que o sábio não se glorifique de sua sabedoria, nem o forte de sua força, nem o rico de suas riquezas, mas quem quer se gloriar, que encontre glória nisto: ter inteligência e me conhecer'. (c) Ou ainda, quando alguém coloca o testemunho dos homens acima do testemunho de Deus, como aqueles que são condenados em Jo 12, 43: 'Eles amaram a glória dos homens mais que a glória de Deus'.
  2. Da parte do próprio vaidoso (ex parte ipsius gloriantis), que projeta sua intenção sobre a glória como sobre seu fim último, orientando para ela todas as suas obras de virtude chegando até a cometer ações contra Deus. Neste caso, o pecado da vanglória é pecado mortal. Por isso Agostinho escreve: 'Quando a cupidez da glória supera no coração o amor e o temor de Deus, este vício é tão inimigo da fé piedosa, que leva o Senhor a dizer: Como podeis ter fé, vós que esperais vossa glória uns dos outros, e que não procurais a glória que vem de Deus, e só dele? (Jo 5, 44)'."
Posto tudo isso, só nos falta compreender por que a vanglória é considerada pecado capital. Para tanto, na próxima aula, falaremos sobre as filhas da vaidade, que nos ajudarão a identificar o modo concreto como esse vício se manifesta no dia a dia e em nossa conduta pessoal.

Referências

  1. Suma Teológica, II-II, q. 162, a. 8, ad 2.
  2. Suma Teológica, II-II, q. 132, a. 3, ad 3.

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