segunda-feira, 5 de setembro de 2016

A Bíblia e a fé de Abraão e Maria para a Igreja


O patriarca Abraão e a Virgem Maria são dois personagens bíblicos de grande importância para a fé da Igreja de todos os tempos.
Há uma analogia muito interessante que podemos estabelecer entre o patriarca Abraão e a Santíssima Virgem Maria, que nos ajuda a compreender como esses dois personagens bíblicos são importantes para a fé da Igreja. Abraão foi o grande patriarca da Antiga Aliança, e a Santíssima Virgem Maria, figura materna da Nova Aliança. Na narrativa da Anunciação da encarnação do Verbo, o Evangelho de Lucas ilumina a realidade da ação salvífica de Deus com alguns paralelos entre Abraão, nosso Pai na fé, e Nossa Senhora, nossa Mãe na fé (cf. Lc 1, 32-33; 1, 55; 1, 69; 1, 72-73).
O patriarca Abraão e a Virgem Maria são dois personagens bíblicos de grande importância para a fé da Igreja de todos os tempos.Nossa Senhora das Dores
Nas experiências de fé de Abraão e Maria percebemos que há uma ligação íntima com a nossa relação com Deus: em suas vidas, vemos que “a fé inclui os elementos da fortaleza, da confiança, da dedicação, mas também o da obscuridade”[1]. Nos momentos de escuridão, de sofrimento, ou apenas de aridez espiritual em nossa intimidade com Deus, reconhecemos que a abertura da alma a Ele é a fé. Em momentos como esse, de obscuridade, entendemos que, nesta relação do humano com o divino, entre nós e o Criador, existe uma distância infinita. Sendo assim, sem a fé, não somos capazes de perceber a ação e a presença do Senhor em nossas vidas, nem podemos compreender os momentos de escuridão e sofrimento, quando estes nos visitam.

Analogias entre as figuras bíblicas de Abraão e de Nossa Senhora

O paralelo entre Abraão e Maria começa com a alegria da promessa do filho, primeiramente no livro do Gênesis: “Então a palavra do Senhor foi-lhe dirigida nestes termos: ‘Não é ele que será o teu herdeiro, mas aquele que vai sair de tuas entranhas’. E, conduzindo-o fora, disse-lhe: ‘Levanta os olhos para os céus e conta as estrelas, se és capaz… Pois bem, ajuntou ele, assim será a tua descendência’” (Gn 15, 4-5); e depois no Evangelho Lucano: “Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim” (Lc 1, 31-33).
A analogia entre Abraão e Maria assume contornos dramáticos justamente a respeito daqueles que foram filhos da promessa de Deus. Abraão se vê privado da luz da razão na hora sombria da subida do monto Moriá, onde deveria sacrificar seu filho, restando-lhe somente a luz da fé: “Depois disso, Deus provou Abraão, e disse-lhe: ‘Abraão!’ ‘Eis-me aqui’, respondeu ele. Deus disse: ‘Toma teu filho, teu único filho a quem tanto amas, Isaac; e vai à terra de Moriá, onde tu o oferecerás em holocausto sobre um dos montes que eu te indicar’” (cf. Gn 22, 1-2). De modo semelhante, na crucifixão e morte de Cristo, a Virgem das Dores permaneceu de pé, não porque compreendia plenamente tudo o que acontecia, mas por causa da luz que provinha da sua fé inabalável.
A fé de Abraão e de Nossa Senhora foram provadas ao extremo, de modo único e inigualável, como em nenhuma outra passagem das Sagradas Escrituras. Abraão manteve inabalável sua fé e foi agraciado com o milagre da salvação de Isaac: “O anjo do Senhor, porém, gritou-lhe do céu: ‘Abraão! Abraão!’ ‘Eis-me aqui!’ ‘Não estendas a tua mão contra o menino, e não lhe faças nada. Agora eu sei que temes a Deus, pois não me recusaste teu próprio filho, teu filho único’” (Gn 22, 11-12). De modo análogo, a Santíssima Virgem manteve inabalável a sua fé, desde a Sexta-feira da Paixão até o Domingo da Ressurreição de Jesus Cristo (cf. Lc 24, 1ss). Se Abraão presenciou o milagre da salvação de Isaac, anunciado pelo anjo do Senhor, a tradição da Igreja e a piedade dos fiéis tem por certo que o próprio Ressuscitado apareceu primeiramente a Nossa Senhora, para que ela testemunhasse o milagre da ressurreição[2].
Abraão é considerado pai dos crentes, tanto para a piedade do povo de Deus, da Antiga Aliança, quanto para a fé da Igreja Católica, do novo povo de Deus. Sem tirar nada à importância do Patriarca no que diz respeito à formação do povo de Israel, no início do novo povo de Deus temos uma Mãe dos crentes: a Santíssima Virgem. A fé de Nossa Senhora, bem como a de Abraão, é confiança e obediência a Deus, aos seus desígnios, embora não os compreendessem totalmente.
O patriarca Abraão e a Virgem Maria são dois personagens bíblicos de grande importância para a fé da Igreja de todos os tempos.Abraão e Isaac
O cumprimento da promessa de Deus em Nossa Senhora
A Virgem Maria ouve o Arcanjo São Gabriel dizer a respeito do seu Filho: “Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus” (Lc 1, 31), que significa Salvador, Messias. O Arcanjo também revela que “Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim” (Lc 1, 32). Diz também que Jesus “reinará sobre a casa de Jacob eternamente e o seu reinado não terá fim” (Lc 1, 32-33). Nesse sentido se orientava toda a esperança do povo de Israel.
Segundo a promessa da Antiga Aliança, o Messias esperado devia “ser grande”: “Seu império será grande e a paz sem fim sobre o trono de Davi e em seu reino. Ele o firmará e o manterá pelo direito e pela justiça, desde agora e para sempre” (Is 9, 6). Como não reconhecer nesta passagem das Sagradas Escrituras Aquele que o mensageiro de Deus anuncia que “será grande”, que será chamado pelo nome de “Filho do Altíssimo”, e que Ele reinará eternamente no trono de Davi (cf. Lc 1, 32).
A Virgem “Maria tinha crescido no meio desta expectativa do seu povo”[3]. Por isso, ela compreendeu, mediante a fé, que seria mãe do Messias esperado pelo povo de Israel. No entanto, humildemente respondeu: “Eis a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). “Desde o primeiro momento, Maria professou sobretudo ‘a obediência da fé’, abandonando-se àquele sentido que dava às palavras da Anunciação, Àquele do qual elas provinham: o próprio Deus”[4]. Dessa maneira, a Santíssima Virgem consagrou-se inteiramente a Deus, para que se cumprisse a Sua promessa ao povo de Israel.
Assista ou ouça programa do Padre Paulo Ricardo com o tema: Consagrados da Virgem, consagrados na Cruz”:
A fé inabalável da Virgem Maria como luz para as nossas vidas
            A reposta final de Nossa Senhora ao Altíssimo, através do Anjo Gabriel, foi a expressão acabada da fé de Abraão e de todo povo de Israel: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). O patriarca Abraão ofereceu seu filho Isaac, o filho da promessa, dom concedido pela sua fé, num sacrifício total, sem reservas, a Deus (cf. Gn 22, 1-10), que foi interrompido pelo Anjo, conforme a ordem de Deus (cf. Gn 22, 11-12). Com Maria Santíssima, o Senhor vai até as últimas consequências, “pois na cruz, sob a qual ela está, nenhum anjo salvador intervém e ela deve restituir a Deus o seu filho, o filho da promessa cumprida, numa obscuridade da fé para ela incompreensível e impenetrável[5].
Portanto, do mesmo modo que Abraão é nosso pai na fé, Nossa Senhora é a nossa Mãe na fé. Pois, como fez Abraão, a Virgem Maria acolheu com fé e obediência o desígnio de salvação do Pai, ainda que ela não compreendesse tudo que aconteceria (cf. Lc 1, 34; 2, 50-51). Dessa forma, a fé inabalável da Virgem Mãe de Deus ilumina as nossas vidas. Pois, ainda que passemos por momentos de tribulação, incertezas e sofrimentos, apoiados na fé da Virgem Maria, podemos olhar com esperança para o futuro. Além disso, da mesma forma que a Mãe da Igreja esteve de pé junto à cruz de Cristo (cf. Jo 19, 25), ela permanece conosco todos os dias de nossas vidas. Nossa Senhora está conosco especialmente nos momentos de amargura, tristeza, sofrimentos, cuidando de cada um de nós em particular, para que alcancemos um dia, com seu divino Filho, a glória da ressurreição.
Oração de São Bernardo a Virgem das Dores
Verdadeiramente, ó santa Mãe, uma espada transpassou tua alma. Aliás, somente transpassando-a, penetraria na carne do Filho. De fato, visto que o teu Jesus – de todos certamente, mas especialmente teu – a lança cruel, abrindo-lhe o lado sem poupar um morto, não atingiu a alma dele, mas ela transpassou a tua alma. A alma dele já ali não estava, a tua, porém, não podia ser arrancada dali. Por isso a violência da dor penetrou em tua alma e nós te proclamamos, com justiça, mais do que mártir, porque a compaixão ultrapassou a dor da paixão corporal.
Nossa Senhora das Dores, rogai por nós!
Natalino Ueda, escravo inútil de Jesus por Maria.



[1]  HANS URS VON BALTHASAR; JOSEPH RATZINGER. Maria, primeira Igreja, p. 67.
[3]  PAPA JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Redemptoris Mater, 15.
[4]  Idem, ibidem.
[5]  HANS URS VON BALTHASAR; JOSEPH RATZINGER. Op. cit., p. 102-103.

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