Meus irmãos,
Estamos celebrando neste domingo a vitória de Cristo sobre o mundo. Não podemos ter medo de vivenciar o seguimento cristão e cada um de nós é convidado a deixar a vivência pastoral pessoal e anunciar o evento evangelizador. Abandonar o comodismo e vivenciar o anúncio da mensagem evangélica que é sempre atual, questionadora, e, mais do que tudo isso, parte de uma mudança radical da vida da própria pessoa.
Por isso, todos nós somos convidados a enxergar Deus nas coisas pequenas e simples da vida quotidiana. Apesar da violência humana, Deus está naquilo que significa paz e refrigério.
Dentro da brisa mansa, Ele confia a Elias uma nova missão, que é manifestada pela tempestade. A religiosidade mágica facilmente acredita que Deus se manifesta na tempestade. Mas Javé se manifesta acalmando a tempestade. Assim, ele se manifestou em Cristo, aos olhos dos Apóstolos, que estavam lutando contra o vento, no barco do lago de Genesaré.
Por detrás de tudo isso, está a mitologia: o mar era o domínio de Leviatã, o monstro marinho, uma vez considerado como um deus, mais tarde, desmistificado até anjo ou diabo. A tempestade era a força do inimigo, acreditavam ainda os supersticiosos  pescadores galileus.

Na primeira leitura – 1Rs 19,9a.11-13a, a peregrinação de Elias ao Sinai/Horeb é uma espécie de regresso aos inícios. Com Elias, é todo o Israel que regressa às suas origens, ao lugar do seu compromisso inicial com Deus. Israel precisa de se encontrar de novo com Jahwéh e redescobrir a sua vocação de Povo da Aliança. A primeira leitura demonstra a revelação de Deus a Moisés (cf. Ex 19,16-17; 33,18-23; 34,5-8): assim como Deus Se revelou a Moisés no Sinai/Horeb, assim também Se revela a Elias no mesmo lugar. Dessas revelações resulta, para um e para outro, um compromisso com a Aliança. Depois de receber a revelação de Jahwéh, Moisés torna-se o instrumento através do qual Deus propõe ao Povo uma Aliança; e Elias, depois de receber a revelação de Jahwéh, torna-se o instrumento através do qual Deus relança uma Aliança ameaçada de ruptura, devido à infidelidade do Povo. A Elias, Deus não Se revelou nos elementos típicos das manifestações teofânicas (o vento forte que “fendia as montanhas e quebrava os rochedos”, o terramoto, o fogo); mas revelou-Se na “brisa ligeira”. Diante da manifestação de Deus, Elias cumpriu o ritual adequado: “cobriu o rosto com o manto”, já que o homem não pode contemplar face a face o mistério de Deus.
O encontro com esse Deus que Se manifesta no silêncio, na intimidade, na simplicidade, na humildade, na interioridade do coração do homem leva à ação: o encontro com Deus conduz sempre o homem a um empenho concreto e a um compromisso com o mundo. Com Elias, Israel é convidado a voltar aos inícios, a redescobrir as suas raízes de Povo de Deus, a reencontrar o rosto de Jahwéh, a renovar a sua Aliança com Ele, a escutar a voz de Deus que ecoa no coração de cada membro da comunidade, a aceitar dar testemunho de Deus e dos seus projectos no meio do mundo.
Deus não é evidente. Se confiarmos apenas nos nossos sentidos, Deus não existe: não conseguimos vê-l’O com os nossos olhos, sentir o seu cheiro ou tocá-l’O com as nossas mãos. Mais ainda: nenhum instrumento científico detectou jamais qualquer sinal sensível de Deus. A primeira leitura convida aqueles que estão interessados em Deus, a descobri-l’O no silêncio, na simplicidade, na intimidade. É preciso calar o ruído excessivo, moderar a atividade desenfreada, encontrar tempo e disponibilidade para consultar o coração, para interrogar a Palavra de Deus, para perceber a sua presença e as suas indicações nos sinais (quase sempre discretos) que Ele deixa na nossa história e na vida do mundo.
O livro dos Reis nos convida a uma peregrinação ao encontro das nossas raízes, dos nossos compromissos batismais. Temos, permanentemente, de partir ao encontro do Deus que fez conosco uma Aliança e que nos chama todos os dias à comunhão com Ele. Na história de Elias (e na história de qualquer profeta), a descoberta de Deus leva ao compromisso, à ação, ao testemunho.
Irmãos e Irmãs,
Jesus se escondera no deserto, logo que soube da morte de João Batista. Havia perigo para o Divino Salvador. A multidão correu ao deserto atrás dele. Jesus teve compaixão dos peregrinos e multiplicou o pão. O povo, feliz e entusiasmado com a multiplicação dos pães, entusiasmou-se e quis proclamá-lo Rei. O momento era conflitante e profundamente delicado. Não era chegada a hora do Filho do Homem, porque Ele não viera para um reinado terreno. As coisas de Deus não podem ser confundidas com as coisas da política partidária dos homens. Por isso, coube ao próprio Jesus dispensar a multidão.
Jesus chegou aos discípulos que estavam na barca, depois que Ele despediu a multidão e foi rezar, andando sobre as águas(cf. Mt 14,22-33). Isso foi uma demonstração aos seus mais próximos da grandiosidade de sua missão, que era exercida a mandado do Pai dos Céus. Jesus que andou sobre as águas é maior do que a maldade e tem o poder de “fazer da fossa surgir à vida” (cf. Jn 2, 7). Basta uma ordem dele e o peixe deixou Jonas em terra firme (cf. Jn 2,11), podendo cumprir a vontade de Deus de purificar os ninivitas.
Há um plano de salvação por parte do Pai dos Céus. Jesus foi mandado ao mundo para dar pleno cumprimento deste projeto de salvação, conforme nos ensina São João 4,34. Entretanto, as forças do mal podem agir e reagir. Mesmo assim, o plano será cumprido na sua integralidade. Nenhuma porta do inferno levará vantagem, tendo em vista que Deus está conduzindo a sua Igreja pelos caminhos da História.
É grandiosamente imenso o contraste entre o medo de um fantasma diabólico e a confiança de Pedro ao ouvir a voz de Jesus, que vinha caminhando sobre as ondas. Para Jesus é mais importante a confiança de Pedro do que o medo. No meio das dificuldades quotidianas da vida, é importante a comunidade substituir o medo pela partilha.
Pedro, que teve a coragem de atirar-se às ondas encrespadas, ficou com medo do vento.
Meus irmãos,
Jesus multiplica o pão, o que foi motivo de grande contentamento e de admiração por parte do povo presente. A cena de Pedro o demonstra. A fé verdadeira pressupõe a humilde confiança e a humildade confiante, sem nenhuma exigência de milagres ou comprovações.
Os apóstolos, reverentes, de joelhos comprovam o Senhorio de Jesus e a confiança daqueles que devem anunciar o seu projeto de Salvação: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!”(cf. Mt 14,33).
A humildade de fazer a genuflexão, como se fosse para beijar os pés de Jesus, ou para adorá-Lo, é uma manifestação de quem reconhece ser Jesus, o dono da vida e do nosso destino. Essa deve ser a atitude do cristão, no seu comportamento diário, de não procurar milagres, mas ter uma fé autêntica, abalizada nas Sagradas Escrituras, levando adiante aquilo que o próprio Jesus disse: “Não tenha medo, creia, e venha ao Seguimento do Senhor!”.
A caminhada histórica dos discípulos e o seu testemunho do banquete do Reino não é um caminho fácil, feito no meio de aclamações das multidões e dos aplausos unânimes dos homens. A comunidade (o “barco”) dos discípulos tem de abrir caminho através de um mar de dificuldades, continuamente batido pela hostilidade dos adversários do Reino e pela recusa do mundo em acolher os projetos de Jesus. Todos os dias o mundo nos mostra – com um sorriso irônico – que os valores em que acreditamos e que procuramos testemunhar estão ultrapassados.
A oração de Jesus (que em Mateus antecede os momentos de prova) nos convida a manter um diálogo íntimo com o Pai. É nesse diálogo que os discípulos colherão o discernimento para perceberem os caminhos de Deus, a força para seguir Jesus, a coragem para enfrentar a hostilidade do mundo.
Meus irmãos,
Paulo, na segunda leitura (cf. Rm 9,1-5), confessa sua paixão para com o povo de Israel, do qual ele é membro. O Apóstolo mesmo gostaria de ser condenado se, com isso, os seus irmãos judeus tivessem a salvação, conforme nos ensina Rm 9,3. Palavra forte, mas que não era mero exagero: Paulo sabia que seria impossível que eles estivessem pura e simplesmente perdidos. O plano de salvação vale para os judeus também, mesmo se aparentemente tenha sido passado adiante aos gentios. Com isso, podemos concluir da confiança que Paulo tem no plano de Deus, que ele pode dizer a nós hoje: se Israel for totalmente rejeitado, então, eu também!
No conjunto da sua reflexão sobre esta questão (cf. Rom 9,1-11,36), São Paulo mostrará que Deus é eternamente fiel às suas promessas e que nunca falha. Ele tem os seus planos; e a desobediência actual de Israel deverá fazer parte dos planos de Deus. Paulo acabará, no final da secção, por manifestar a sua convicção de que a misericórdia de Deus se derramará também sobre Israel. Uma das coisas que impressiona, neste texto, é a forma como Paulo sente a infelicidade do seu Povo. A obstinação de Israel em recusar a salvação faz com que o Apóstolo sinta “uma grande tristeza e uma dor contínua” no coração. Todos nós conhecemos irmãos – mesmo batizados – que recusam a salvação que Deus oferece ou que, pelo menos, vivem numa absoluta indiferença face à vida plena que Deus lhes quer dar
A segunda leitura nos propõe uma reflexão sobre as oportunidades perdidas. Israel, apesar de todas as manifestações da bondade e do amor de Deus que conheceu ao longo da sua caminhada pela história, acabou por se instalar numa auto-suficiência que não lhe permitiu acompanhar o ritmo de Deus, nem descobrir os novos desafios que o projeto da salvação de Deus faz, em cada fase, aos homens. O exemplo de Israel nos faz pensar no nosso compromisso com Deus. Em primeiro lugar, nos mostra a importância de não nos instalarmos num esquema de vivência medíocre da fé e sugere que o “sim” a Deus do dia do nosso batismo precisa de ser renovado em cada dia da nossa vida. Em segundo lugar, sugere que o cristão não pode instalar-se nas suas certezas e auto-suficiências, mas tem de estar atento aos desafios, sempre renovados, de Deus. Em terceiro lugar, sugere que o ter o nome inscrito no livro de registos da nossa paróquia não é um certificado de garantia de salvação (a salvação passa sempre pela adesão sempre renovada aos dons de Deus).
Ser cristão é ser voltado para a acolhida e para o entendimento do Deus da Brisa Mansa, que anda sobre as águas e leva para o mundo o testemunho inequívoco da necessidade de depositar nas mãos de Deus a confiança de nossa vida de fé. Vida de fé que o PAI DAS BEM-AVENTURANÇAS do céu abençoa e encaminha os pais da terra que tem o grave dever de nos fazer mais santos e imaculados, como o SENHOR DEUS fez ao enviar a Salvação por Jesus Cristo ao gênero humano!
Homilia por: Padre Wagner Augusto Portugal